Corticóide e informação
Os corticosteróides (ou simplesmente corticóides) são hormônos produzidos pelo nosso organismo, mais especificamente pela zona fasciculada do córtex da glândula suprarrenal (ou adrenal), localizadas acima de cada um dos rins. Nosso corticóide natural é o cortisol, tem pico de concentração no sangue logo pela manhã, antes de acordar, sendo que produzimos o equivalente a 20 mg de hidrocortisona ou 5 mg de prednisona (que são corticosteróides sintéticos) ao longo de todo o dia. São fundamentais para a manutenção da vida, pois preparam nosso organismo para responder ao estresse (no sentido genérico) sob condições desfavoráveis, como infecções, lesão traumática, queimaduras, hemorragias, dor, situação de medo e luta. Isso ocorre através de três mecanismos:
- Aumenta no sangue o “combustível” para o metabolismo das células, aumentando o açúcar no sangue (hiperglicemia), “quebrando” proteínas musculares (proteólise) e alguns depósitos de gordura (lipólise).
- Mantém certo grau de contração dos vasos (tônus vascular) para que o sangue possa chegar com mais facilidade para todos os órgãos.
- Mantém volume de água adequado no sangue (efeito mineralocorticóide).
De forma interessante, os corticosteróides foram descobertos através de seu efeito terapêutico. A cortisona foi descrita em 1929, através da observação que extrato de suprarrenal foi capaz de melhorar os sintomas inflamatórios articulares de paciente que sofria, o que hoje chamados, de Artrite Reumatóide. Desde então, seu uso foi se ampliando cada vez mais, sendo que atualmente possuímos vários corticosteróides produzidos em laboratório, os chamados corticóides sintéticos, para uso terapêutico. As principais enfermidades tratadas com os corticosteróides são:
- Artrites e doenças reumáticas inflamatórias: Artrite Reumatóide, Artrite Psoriásica, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Síndrome de Sjogren, Doença Mista do Tecido Conjuntivo, Polimiosite e Dermatomiosite, Vasculites, Sarcoidose, entre várias outras.
- Doenças inflamatórias gastrointestinais: Doença de Crohn, Retocolite Ulcerativa, Hepatite Autoimune.
- Doenças inflamatórias oculares: Uveítes não infecciosas.
- Doenças inflamatórias neurológicas: Esclerose Múltipla, Síndrome de Guillain-Barré.
- Doenças inflamatórias pulmonares: Fibrose Pulmonar Idiopática, exacerbação de DPOC e Asma.
- Doenças inflamatórias dermatológicas: Psoríase, Lúpus cutâneo, Pênfigos, Alopécia Areata, Vitiligo e diversos outros.
- Doenças inflamatórias renais: Glomerulonefrites.
- Doenças alérgicas: Rinite Alérgica, Dermatite Atópica.
- Doenças tumorais: Linfomas, Mieloma Múltiplo.
- Rejeição de transplantes.
- Tratamento de edema cerebral e trauma medular agudo.
- Sepse grave.
Os corticóides agem de duas formas diferentes, por via genômica e não genômica:
- Forma genômica: ocorre de forma lenta, influenciando os genes em produzir substâncias antiinflamatórias e inibir a produção de substâncias próinflamatórias. É responsável por efeitos benéficos terapêuticos e também pelos efeitos adversos. Tem efeito saturável, ou seja, a partir de uma dose teto, em geral o equivalente a 30 mg de prednisona, não pode ter efeito terapêutico maior. A prednisona atua principalmente por via genômica.
- Forma não genômica: é de resposta imediata, através de efeitos celulares diretos, sendo responsável apenas por efeitos terapêuticos. Só é ativa em doses altas do corticóide. A metilprednisolona é especialmente atuante por via não genômica, quando é utilizada em altas doses por curto espaço de tempo, por via endovenosa, regime de administração chamado de Pulsoterapia.
Em relação aos benefícios dos corticóides, especificamente em relação às enfermidades reumáticas, posso ressaltar dois aspectos:
- Relacionado ao rápido início de ação: não há nenhuma outra medicação, mesmo entre os imunossupressores mais potentes, que tenha um início de ação tão rápido em altas doses. Isso é salvador de vidas! Algumas enfermidades reumáticas podem se apresentar com graves lesões de órgãos alvo vitais, muitas vezes de instalação súbita, que colocam o paciente em risco imediato de morte. Como exemplo, podemos ressaltar glomerulonefrite com insuficiência renal aguda e hemorragia alveolar pulmonar provocadas pelo Lúpus Eritematoso Sistêmico e as Vasculites ANCA associadas, lesões neurológicas do encéfalo e medula do Lúpus Eritematoso Sistêmico e Síndrome de Sjögren, redução acentuada do número de plaquetas (plaquetopenia), com risco de sangramento, observado no Lúpus Eritematoso Sistêmico, inflamação aguda do miocárdio (miocardite) ou vasculite das coronárias do Lúpus Eritematoso Sistêmico e Vasculites. Ainda com relação ao seu efeito rápido, os corticóides podem trazer um controle mais precoce de lesões inflamatórias não graves, permitindo sua associação com imunossupressores que tem ação mais lenta.
- Relacionado a efeito modificador de doença e proteção de danos articulares permanentes: o uso do corticóide associado aos demais medicamentos de base em Artrite Reumatóide inicial, ativa, provou trazer um melhor desfecho do tratamento, tornando mais rápida a remissão clínica da doença e tendo efeito protetor “extra” contra o dano articular erosivo e determinante das deformidades e incapacidades próprios da doença.
No entanto, é conhecido há muitos anos os inúmeros efeitos adversos associados ao uso prolongado do corticóide. Lista-se:
- Metabólico-endócrinos: ganho de peso, aumento da glicemia, aumento do colesterol, Síndrome de Cushing, insuficiência adrenal secundaria.
- Osteomusculares: osteoporose, osteonecrose, atrofia muscular.
- Oftalmológico: catarata precoce.
- Dermatológico: estrias, acne, seborréia.
- Psiquiátricos: humor deprimido, redução da libido.
- Cardiorrenal: hipertensão arterial, edema, formação precoce placas de gordura nos vasos (aterosclerose).
- Urológico: atrofia testicular e hipogonadismo.
No que diz respeito ao seu efeito adverso direto no curso clínico de enfermidades reumáticas, estudo emblemático demonstra aumento de danos acumulados aos diferentes órgãos em pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico, atribuído diretamente ao uso prolongado do corticóide.
Isso posto, e somado ao fato de que, atualmente, ainda não é possível tratar enfermidades reumáticas inflamatórias autoimunes sem nenhum corticóide, o ponto a ser discutido é: COMO USAR MAIS ADEQUADAMENTE O CORTICÓIDE.
As conclusões principais são:
- Usar a menor dose eficaz pelo menor tempo necessário.
- Quando se fizer necessário uso de altas doses, o regime de pulsoterapia com metilprednisolona tem menos efeitos adversos.
- Usar estratégias de redução de danos aos diferentes órgãos, como exemplo, restrição da ingestão de sal (reduz edema e hipertensão), uso de cálcio e vitamina D, e se necessário, medicamentos ativos antifraturas (redução de osteoporose e fraturas), dieta com pouco açúcar, massas e frituras (redução da hiperglicemia e colesterol), prática de exercícios físicos aeróbicos e de fortalecimento muscular (redução do ganho de peso, proteção cardiovascular e redução da massa muscular).
- Introdução precoce de imunossupressores e drogas modificadoras de doença, para que seja possível poupar doses mais altas e reduzir tempo de uso do corticóide. Isso tem sido muito mais factível com uso dos imunobiológicos, fármacos com mecanismos mais específicos para a doenças.
Como mensagem final: o reumatologista moderno preza pelo uso consciencioso do corticóide e pelas decisões terapêuticas compartilhadas com o paciente.
Dr Leandro Tavares Finotti