Acidente vascular encefálico (AVE) de causa reumática
O acidente vascular encefálico é condição de lesão aguda do tecido neurológico por processo de adoecimento originário dos vasos sanguíneos. Com base no mecanismo do insulto, são classificados em acidente vascular isquêmico ou hemorrágico.
O acidente vascular isquêmico ocorre por obstrução aguda do vaso sanguíneo, enquanto o hemorrágico ocorre por rotura dos vasos, com conseqüente estravassamento de sangue (“derrame”). Nos dois tipos, uma vez que o sangue, contendo nutrientes e oxigênio, não chega a determinadas áreas do cérebro, ocorre a perda das funções dos neurônios, causando os sinais e sintomas que dependerão da região do cérebro envolvida.
Em um primeiro momento, no atendimento de emergência, o tratamento pode ser instituído com base na separação entre os mecanismos de insulto. No entanto, o melhor controle de doença e prevenção dos novos episódios deve ser baseado na identificação de causa.
O acidente vascular encefálico isquêmico tem como causa mais comum a aterotrombose, que é a formação de placa de gordura nos vasos sanguíneos, facilitando a formação de um coágulo oclusivo. Já o hemorrágico é mais frequentemente provocado por aumento abrupto da pressão arterial ou rotura de uma dilatação vascular chamada de aneurisma. No entanto, para ambos, há diversas outras causas, inclusive enfermidades reumáticas.
Nas doenças reumáticas, o dano vascular pode ocorrer pelos seguintes processos:
- Vasculite: é a inflamação da parede dos vasos sanguíneos, por insulto das células imunológicas e anticorpos contra antígenos (substâncias que provocam reação imune) próprios do vaso sanguíneo ou que lá foram depositados. Como conseqüência, pode haver duas evoluções. Na primeira, o endotélio (células que revestem os vasos) e o tecido da parede do vaso estimulam a formação de coágulos, levando a obstrução do fluxo sanguíneo (mecanismo isquêmico). Na segunda, a parede inflamada se torna frágil, com rotura e hemorragia (mecanismo hemorrágico). Várias doenças reumáticas podem provocar vasculite cerebral.
- Trombofilia autoimune: condição adquirida por processo no qual anticorpos interferem com células, vias de proteção natural anticoagulante, cascata de coagulação e de dissolução de coágulo (fibrinólise), resultando na formação de trombos (coágulos).
As enfermidades reumáticas autoimunes são caracterizadas por lesões provocadas pelo sistema imunológico do paciente contra si próprio. Normalmente são multiorgânicas, ou seja, afetam variados órgãos e sistemas. Aquelas que acometem mais frequentemente o sistema nervoso central são:
- Síndrome Antifosfolipídica (SAF): trata-se de uma trombofilia autoimune, sendo responsável por 1\5 de todos os casos de acidente vascular encefálico em indivíduos com menos de 50 anos de idade. Pode ser suspeitada por ocorrer em pacientes que não tenham histórico de doenças que aumentem o risco cardiovascular e a formação de placas de gordura nos vasos (hipertensão arterial, diabetes, colesterol alto, obesidade, sedentarismo, estresse, fumo), ou por apresentarem passado de tromboses venosas, abortamento de repetição e plaquetas baixas. Cefaléia tipo enxaqueca é bastante comum.
- Lúpus Eritematosos Sistêmico (LES): a doença vascular encefálica própria dessa enfermidade ocorre principalmente por trombose, já que a associação com a Síndrome Antifosfolipídica é comum nesse contexto. Mas também pode ocorrer por vasculite. Dentre os pacientes portadores de LES que apresentam acidente vascular cerebral, em 2\3 dos casos essa complicação neurológica é o primeiro sintoma ou aparece logo no primeiro ano de doença. Importante salientar que pacientes com LES de longa data, com doença mais grave e de difícil controle, são de risco de desenvolver aterosclerose (placas de gordura) prematura e ter a complicação neurológica pelo mecanismo clássico de aterotrombose.
- Síndrome de Sjögren: pode provocar vasculite cerebral. A doença pode ter sintomas bastante semelhantes ao Lúpus Eritematoso Sistêmico, mas caracteristicamente afeta as glândulas lacrimais e salivares, provocando olho e boca secas. A complicação neurológica geralmente ocorre em doença grave, com comprometimento associado e ativo de órgãos não glandulares.
- Doença de Behçet: pode provocar vasculite cerebral e trombose. Na imensa maioria dos casos, a complicação neurológica ocorre após alguns anos de sintomas de úlceras orais recorrentes, mais de 3 vezes ao ano e muito dolorosas. Também pode ocorrer úlceras em áreas genitais, lesões de pele e inflamação ocular chamada de uveíte. Podem ter histórico de enxaqueca.
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Arterite Primária do Sistema Nervoso Central: enfermidade reumática de difícil diagnóstico, pois afeta exclusivamente os vasos arteriais cerebrais, provocando uma vasculite. A complicação neurológica pode ser precedida por anos de sintomas enxaquecosos. A confirmação diagnóstica advém de um conjunto de achados clínicos, de imagem vascular e de líquor.
Dr Leandro Tavares Finotti