A gestação é um período de grandes mudanças no organismo da mulher. É importante lembrar que metade do feto é de origem paterna, e por isso, estranho ao sistema imune da mãe. Assim como acontecem com os transplantes, seria esperado que houvesse "rejeição". No entanto, em uma gestação normal, ocorrem processos diferenciados hormonais e imunológicos que podem ser vistos no organismo humano apenas neste período, visando tolerar a permanência do feto. Falhas destes processos podem ser responsáveis por abortamentos, perdas fetais, retardo de crescimento intra-uterino, parto prematuro e pré-eclâmpsia.
Do ponto vista circulatório e de coagulação, mudanças também ocorrem. A gestação é etapa para a qual o organismo se prepara para conter a hemorragia do parto, ou seja, de maior coagulabilidade do sangue. A perfeita circulação sanguínea útero-placentária, livre de obstrução por coágulos, também é fundamental para o desenvolvimento adequado placentário e fetal.
O ambiente hormonal e imunológico propício ao desenvolvimento da gestação, por outro lado, é facilitador de respostas imunes humorais. Esse termo se refere a um tipo de padrão imunológico com predomínio de respostas de defesa através de anticorpos, em detrimento daquele através de células. Ocorre que, para mães com predisposição genética para doenças reumáticas, isso se torna o "estímulo" para o aparecimento de "defeitos" nessa via imunológica humoral hiperativada, o que é necessário para o surgimento de enfermidades reumáticas autoimunes do tipo do Lúpus Eritematoso Sistemico e a Síndrome Antifosfolipídica. Nestas condições, o sistema imune humoral defeituoso produz anticorpos contra o próprio organismo.
Em resumo, a gravidez, por si só, já trás consigo riscos imunológicos, hormonais, circulatórios e de coagulação que podem trazer complicações. Adicionalmente, doenças reumáticas autoimunes, especialmente o Lúpus Eritematoso Sistêmico e a Síndrome Antifosfolipídica, que tem chance aumentada de surgimento neste período, impactam negativamente a evolução da gestação.
Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES): a doença tem mais risco de surgir na gestação ou ser agravada pela gestação. As consequências podem ser para o organismo da mãe e também para o feto. A gestação não é contra-indicada para as mulheres portadoras de LES, mas deve necessariamente ser planejada, para que ocorra quando a doença estiver bem controlada e em uso de medicações compatíveis para o período.
Síndrome Antifosfolipídica (SAF): pode se manifestar na gestação ou ser agravada por ela. Trata-se de doença reumática autoimune do grupo das trombofilias adquiridas. O tratamento durante a gestação envolve uso de injeções de anticoagulante, porém difere se a mãe já teve trombose antes de engravidar ou apenas complicações anteriores restritas ao período da gestação.
Em conclusão, complicações da evolução da gestação podem ter base imuno-hormonal-circulatória. O reumatologista pode colaborar com o obstetra para um melhor diagnóstico. Gestantes com doenças reumáticas devem obrigatoriamente ser acompanhadas pelo reumatologista e obstetra capacitado em gestação de alto risco.
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